HERMENEUTICA DOS TERMOS ORIGINAIS DO FRUTO DO ESPIRITO
Como seres humanos, não podemos produzir o fruto do Espirito, porque Ele é divino. Deus produz, mas podemos, por Cristo, receber o amor ágape e manifestar ao mundo suas virtudes e assim vencermos as obras da carne. Estas sim, podem e são produzidas pelo homem em sua carnalidade e humanidade, pelo pecado.
Vamos analisar os termos originais de todas as virtudes do Fruto do Espírito.
AMOR
“Mas o fruto do Espírito é amor…” Gálatas 5:22
No versículo acima, a palavra utilizada é ÁGAPE.
O amor que Deus é em 1 João 4 é ágape, bem como o mandamento que recebemos em Mateus 22:37-40. Devemos amar (Ἀγαπήσεις, agapeseis) tanto a Deus, acima de todas as coisas, quanto às pessoas, como a nós mesmos.
Apenas o amor ágape é capaz disso e, por isso, ele é um fruto do Espírito: “nós amamos porque ele nos amou primeiro” (1 João 4:19). Um exemplo disso é quando, após Pedro tê-lo negado, Jesus pede que reafirme o seu amor por Ele, mas Pedro está tomado de constrangimento, o que se faz perceber no original (João 21.15-17).
ALEGRIA
“Mas o fruto do Espírito é amor, alegria “
Gálatas 5:22
A palavra utilizada para “alegria”, no original grego, é χαρά (chara), que está relacionada com as palavras χάρις (charis), que é normalmente traduzida por “graça”, e χάρισμα (charisma), que significa tanto um presente de graça, sem custo, quanto proveniente da graça.
Desde a era clássica, esses sentidos já eram correntes. Havia o sentido literal para charis e charisma, que denotava beleza ou charme – de onde temos a palavra “carisma” –, mas também havia o sentido figurado, que indicava uma inclinação, uma predisposição a ser favorável a alguém.
PAZ
A palavra original no grego koine deste verso para “paz” é εἰρήνη (eirene).
Na Vulgata latina, temos o termo pax, que deu origem ao termo “paz”. Ambos vêm de raízes verbais que indicam “juntar, atar em uma unidade”.
No âmbito clássico, os termos eirene e pax tinham a conotação, em primeiro plano, de acordos de paz e reconciliação, períodos sem guerra de uma nação, da ideia de “harmonia”, mas o sentido figurado de paz de espírito, tranquilidade também já era usado.
Na Septuaginta, o termo eirene foi introduzido como hebraicismo, se referindo a שלום (shalom), a saudação que é usada para abençoar no sentido de que onde há paz, onde há unidade, é possível haver segurança e prosperidade.
Jesus enviava aqueles que havia curado e restaurado dessa forma, em PAZ, como o fez com a mulher do fluxo de sangue. No contexto cristão, eirene ganha uma dimensão a mais, que é a paz advinda da salvação, e o contentamento em passar por quaisquer condições na Terra sem temor e contente com o que lhe foi confiado.
PACIÊNCIA
A palavra portuguesa “paciência” vem do termo latino patientia, utilizado neste verso na Vulgata Latina, que por sua vez vem do adjetivo patiens (“aquele que sofre, que se submete, que suporta” > “que é paciente”), do verbo patior, que significa primordialmente “sofrer”, tanto no sentido habitual de “sofrer”, quanto naquele de se passar por algo, algo acontecer consigo.
Está de certa maneira, relacionada à palavra do original grego utilizada aqui, que é μακροθυμία (makrothymia), que traduzimos por “paciência”. A palavra é composta por dois radicais, o adjetivo μακρός (makrós), que significa “longo”, “longe” e θυμός (thymós), que significa “paixão”, “ira”, indicando o tipo de atitude derivada de emoções intensas.
Assim, a tradução literal é uma paixão longa, ou seja, a qualidade de alguém que espera tempo o suficiente antes de demonstrar ira, evitando que se demonstre em força uma reação emotiva demais ou pessoal demais. A longanimidade.
θυμός (thymós) é o termo utilizado para a ira de Deus em Apocalipse, por exemplo, demonstrando que só Deus pode demonstrar a ira justa, que se direciona apenas ao pecado, que não tem a ver com um desabafo emocional, que é como os humanos demonstram ira. Do mesmo modo, Deus também tem μακροθυμία (makrothymia), como para dizer que só podemos resistir à tentação de sucumbir às paixões por meio da ação do Espírito – justamente por isso ela é listada como um dos Seus frutos.
GENTILEZA
O termo que, na versão NVI é traduzido por “amabilidade”, é, na verdade, difícil de traduzir.
Outras versões trazem “benignidade”, em correspondência ao termo latino benignitas, “delicadeza no trato com outros”, “gentileza”, mas o termo grego χρηστότης (chrestotes) – CHRESTOTES, engloba todos esses termos ao denominar um tipo de bondade, de gentileza que é útil (χρηστός, chrestos: “útil”, “prestativo”, mas ao mesmo tempo “bom”, “benevolente”), no sentido de que é bem ajustada e apropriada ao que é realmente necessário numa dada situação. Assim, ela é um fruto do Espírito porque é dotada de Sua sensibilidade para vir sempre no tempo e na medida justa, de acordo com a vontade de Deus, e não dos homens.
A chrestotes é a excelência moral que aqueles que foram de fato batizados pelo Espírito Santo passam a demonstrar. Quando Paulo, em sua exortação na carta aos Romanos, diz, “não há ninguém que faça o bem [χρηστότητα, chrestoteta]” (3:12b), esse sentido fica bem claro.
BONDADE
A palavra ἀγαθωσύνη (AGATHOSYNE), que aqui foi traduzida por “BONDADE”, é um termo estritamente bíblico, ou seja, não se tem ocorrências dele em textos clássicos ou seculares.
Ela é formada a partir do adjetivo ἀγαθός (agathos), que significa “inerentemente bom”, “de bom caráter”. A palavra latina que é utilizada para traduzir esse termo é bonitas, da qual descende “bondade”, algo excelente, de boa qualidade.
Quando dizemos que alguém é bom, isso diz respeito especialmente às intenções de alguém: quem é bom possui intenções boas. Isso é de suma importância para Deus, uma vez que Ele se preocupa mais com o coração do que a performance que venhamos a ter (1 Sm. 16:7).
Sobre o adjetivo agathos, o uso que Jesus fazia desse termo é chave para interpretarmos: ele o fazia sempre do modo absoluto, ou seja, indicando algo que é bom em sua essência, o que necessariamente aponta para o divino.
Assim, Ele chama os servos que foram fiéis ao senhor na parábola dos talentos, sendo aprovados após julgamento, em Mateus 25.21
FIDELIDADE
O termo πίστις (PISTIS) é um termo extremamente prolífico do grego koiné, e ocorre 243 vezes no Novo Testamento, sem contar com derivados ou variações.
Aqui, ele significa “fidelidade”, mas ele também significa “fé” (e os dois termos em português possuem a mesma raiz também, fides, termo latino cognato de pistis). A etimologia deste termo também está relacionada com πείθω (peitho, “persuadir”).
Pistis indica tanto a CONFIANÇA que se deposita em alguém que é fidedigno, quanto a característica desse alguém digno de confiança, além da fé que resulta dessa relação. Nesse sentido, é a garantia da confiabilidade de Deus que gera a nossa fé nEle. Somos persuadidos de que Assim como é o caso com todos os outros frutos do Espírito, a pistis só é gerada em nós a partir do trabalho do Espírito. A fé verdadeira é dom de Deus. Só Aquele que é verdadeira e integralmente fiel pode nos inspirar a sermos fiéis.
A fidelidade, portanto, assim como o termo pistis é multifacetado, é tanto demonstrada por aqueles que tanto são cheios de fé, quanto não renunciam a ela em momento algum. Os termos para os frutos do Espírito normalmente descendem de adjetivos ou de verbos porque são disposições de caráter e demonstrações públicas da transformação da vida do cristão a partir do Espírito, então, é melhor exemplificar com estas palavras. Assim como Deus coloca para nós o exemplo a ser seguido (Deus é fiel, πιστὸς [pistos]: 1 Coríntios 10:13, 1João 1:9, Hebreus 10:23), nós podemos e devemos ser também fiéis, da mesma forma: “Muito bem, servo bom e fiel [πιστέ, pisté] Você foi fiel [πιστός, pistos] no pouco; eu o porei sobre o muito” – Mateus 25:21.
A fidelidade, e mesmo a fé em si, é dom de Deus. Mesmo sendo uma ordenança, Deus não depende de sermos fiéis para com Ele para que Ele demonstre seu favor para conosco, senão Ele mesmo não poderia ser esse exemplo. Sua fidelidade está acima de nós, e nós mesmos só podemos ser fiéis porque Ele o é.
MANSIDÃO
A mansidão, para o cristão, é uma qualidade/virtude gerada pela fé justamente para a sua aplicação.
O termo utilizado no original grego, πρᾳΰτης [PRAUTÉS], indica uma força gentil. Isso fica evidente nas recomendações de Pedro, em relação ao trato com os de fora. (1 Pedro 3.15-16)
Assim, a mansidão não é deixar de exercer autoridade, mas fazê-lo sob o temor de Cristo, entendendo seu amor para com todas as pessoas.
Por isso a mansidão é um fruto do Espírito, porque é motivada pelo modo do Céu de perceber as situações e as pessoas.
Precisamos manifestar justamente este fruto do Espírito, para não nos deixarmos vencer pela obra da carne, que é o oposto disto, que é a IRA.
DOMÍNIO PRÓPRIO
Quando você disciplina seu corpo, nas mínimas coisas, como a língua, Deus derrama uma unção a mais de domínio próprio sobre sua vida.
ἐγκράτεια [ENKRATEIA] significa maestria, ou domínio. Vem da preposição ἐν [en], que significa “dentro”, ou “em”, e, figurativamente, “no âmbito de dentro”, “que opera de dentro”, da palavra κράτος [kratos], que significa “poder” (“A ele sejam glória e poder [κράτος, kratos] para todo o sempre! Amém” (Apocalipse 1:6b).
A expressão domínio próprio, do grego enkrateia, como falei, significa temperança, moderação ou autocontrole sobre nossos próprios desejos e paixões. Literalmente quer dizer “reprimir com mão firme”.
Segundo o dicionário livre da nossa língua, é saber controlar suas emoções ou atitudes, é quando temos o controle total do nosso próprio corpo, é quando nenhuma vontade ou vício consegue nos dominar.
Alguns de nós temos tido lutas contra o excesso, em diversas áreas de nossas vidas. Coisas boas podem tornar-se sérios problemas, virtudes podem tornar-se veneno.
Assim, a palavra veio a significar domínio próprio, o poder de conter-se em si mesmo. O termo, explicitamente, aparece apenas quatro vezes no Novo Testamento, mas o conceito é essencial para a fé cristã, uma vez que se associa profundamente à sabedoria.
O domínio próprio é a maestria que se adquire dentro de si. Para que seja possível agir em fé, primeiro é preciso agir sobre si mesmo e se dominar, para que não sejamos governados pelos impulsos da carne, mas sim pelos direcionamentos do Espírito Santo, de forma que, como diz Pedro, sejamos produtivos no Reino.
O domínio próprio me permite perceber em que momento devo me posicionar ou me conter, em que momento devo demonstrar meu conhecimento ou esperar um momento mais oportuno – isso é sabedoria. Por isso, a ele se acresce a perseverança, porque é um exercício de espera e paciência, e assim vemos como o domínio próprio age em conjunto com todos os outros frutos do Espírito.
É algo que é gerado no interior, pelo Espírito Santo, para que possa transbordar em ações.
Que possamos viver diariamente manifestando no mundo as virtudes do Espirito Santo. Esta é uma realidade espiritual possível, quando nos fixamos em Deus e não no mundo, na fé e não nas circunstâncias.
Pastor Carlito Paes
Com pesquisa linguística de Ana Beatriz A. Paes